Opinião

Um atentado prenhe de mistério

Por Sergio Cruz Lima

Por Sergio Cruz Lima
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Na noite de 15 de julho de 1889, a família imperial deixa o Teatro Santana, no Rio de Janeiro, onde assistira o recital da cantora Julieta Dionese, a "coqueluche da época". No retorno ao Paço, a carruagem que porta o imperador Dom Pedro II e a imperatriz Teresa Cristina é atacada a tiro por Adriano Augusto do Vale, um jovem português. Afortunadamente, o atentado não apresenta consequências maiores, salvo o grande susto. A bala não atingiu ninguém.

A história parece mal contada. Como teria o jovem errado o tiro, se o alvo estava tão próximo? Mais: por que ficava tão exposto naquela ridícula tentativa de regicídio? Há muitas dúvidas. E várias são as opiniões formuladas sobre o fato que, se superadas, poderiam causar graves crises políticas considerando-se a difícil situação então vivida pelo Brasil.

Em 15 de setembro, 60 dias antes da queda da monarquia, Artur Azevedo, em Vida Fluminense, defende Adriano do Vale chamando-o de "pobre diabo", de apenas 20 anos. Afirma Azevedo que o tiro poderia ser para qualquer um que estivesse mais exposto, como transeuntes, o piquete de cavalarianos, boleiros, acheiros e outros, realmente mais expostos do que o imperador, o mais abrigado no coche imperial. "O pobre diabo não atirou em Dom Pedro", conclui. Ora, o argumento é frágil, considerando-se a época de agitações político-militares. Prematuramente envelhecido, Dom Pedro, até então amado e respeitado, era agora ridicularizado e o regime monárquico taxado de corrupto, nefasto e detestável, balançava em seus sustentáculos. Era justo, pois, que se acreditasse ter sido o atentado dirigido contra o próprio imperador.

Coelho Neto, no Correio Paulistano, em agosto de 1890, um ano após a proclamação da República, ao defender os republicanos, afirma que o jovem Adriano do Vale jamais fora republicano nem pertencera a sociedades secretas. Ele atirou porque alguns indivíduos excitaram a sua coragem. "Nenhum republicano daqui o conhecia e de toda conferência que com ele tive, convenci-me de que obedecera às ordens de alguém", assevera com convicção. Assim, tanto Coelho Neto, como Quintino Bocaiúva, querem que os prováveis mandantes fossem os playboys às ordens de alguém. Todavia, esse "obedecer às ordens de alguém", de Coelho e Quintino, dá o que pensar. O "alguém" seria um farrista qualquer? Não, não seria. Já Gustavo Barroso claramente assevera que o rapaz estava meio embriagado e industriado por republicanos. Em verdade, realmente nunca soubemos se efetivamente foi uma dessas molecadas ou se verdadeiramente os republicanos armaram o braço daquele bode expiatório.

Quanto ao possível regicida, ele foi preso após o atentado. Em 23 de novembro, foi absolvido e perdoado pelo marechal Deodoro da Fonseca, primeiro presidente da República. Por algum tempo nada se soube dele, exceto que viajara para Portugal. Em 1893, durante a Revolta da Armada, retorna ao Brasil. Aparece na Ilha das Cobras, de onde sai vitimado pela tuberculose e morre dez anos depois. Se foi Quintino Bocaiúva ou Saldanha Marinho ou ainda outro republicano o mandante, Adriano jamais falou.

A verdade é que o mistério do atentado persiste até hoje. E merece apurada pesquisa. Se após ser solto Adriano foi para Portugal, o que viera novamente fazer no Brasil? Seria membro de alguma sociedade secreta? Por que estivera no calabouço da Ilha das Cobras durante a Revolta da Armada? O seu atestado de óbito exibe que era viúvo. Deixara filhos? Quem fora sua esposa? Teria contado a ela a verdadeira história sobre o atentado? Se era apenas um "braço armado", por que não falar? Há muito a pesquisar para esclarecer um caso tão misterioso. Algum dia se escreverá a história correta de Adriano Augusto do Vale, o jovem que teve a coragem de atirar em Dom Pedro II. Ou não teve?


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